Parecer Coletivo Prefeito. Agente Político. Férias. Direito. Exercício. Impossibilidade de Gozo. Indenização. TCE. Entendimento. Reversão. Legalidade no Pagamento.
Parecer Coletivo
Prefeito. Agente Político. Férias. Direito. Exercício. Impossibilidade de Gozo. Indenização. TCE. Entendimento. Reversão. Legalidade no Pagamento.
A presente orientação aos agentes políticos do Município tem origem em recente decisão do Pleno do TCE/RS sobre a possibilidade de indenização dos valores relativos aos períodos de férias não gozadas pelo gestor, por parte do erário local.
A CDP adotou posição pela legalidade da indenização em todos os processos de contas dos administradores, ao longo de vários anos, tanto dos pagamentos realizados aos gestores a título de 13ª remuneração ou subsídio, bem como das férias, fossem elas no último ano de mandato, como nos demais exercícios em que restou impossibilitado o gozo do direito constitucional ao descanso laboral.
Assim, através do julgamento do processo 8853-02.00/10-8, com parecer favorável do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, a Corte entendeu ser perfeitamente legal o pagamento indenizatório do período de férias que eventualmente o administrador não pôde gozar, ao longo de seu mandato.
A tese sustentada pela CDP era no sentido oposto ao Parecer Coletivo n° 02/97 – TCE/RS, que trata do pagamento em dinheiro de férias não gozadas pelo Prefeito Municipal. O conteúdo do referido parecer dizia não ser legítimo tal pagamento, pois, “em se tratando de Prefeitos, ausentes estão os elementos que legitimam a indenização do direito, vez que tais autoridades detêm competência para a auto-concessão do gozo às férias, no que não estão jungidas sequer à autorização das Câmaras Municipais.”
E foi justamente com o argumento da auto-concessão que se buscou reverter a posição até então adotada pela Corte de Contas, eis que se o administrador pode permanecer no exercício do cargo no último ano do mandato, sem usufruir das férias, por este mesmo princípio ele pode gozar as férias ou não durante os demais anos.
O cargo eletivo de gestor político não possui previsão legal de formar e concluir o período aquisitivo de férias para gozar 30 dias de descanso. Como o Prefeito exerce a função correspondente ao cargo de forma ininterrupta, e sendo ele o Chefe do Poder, a decisão sobre as férias deve ser única e exclusivamente observando o interesse da Administração, que é dirigida pelo Prefeito local.
Se o gestor não exercer o direito ao gozo de suas férias, se afastando da Administração, terá ele direito a perceber o valor correspondente ao mês inteiro trabalhado a título indenizatório. Descabe adentrar no mérito sobre os motivos pelos quais um determinado gestor não pode deixar o mandato, nem mesmo por escassos 30 dias. As razões pela adoção do procedimento em permanecer à frente do comando do ente público diz respeito somente aos interesses locais, sem que haja invasão de competência de outros órgãos ou poderes.
Primeiramente, há que se observar que o tema sobre as férias nos dois casos estão inseridos no instituto dos Direitos Sociais, previstos na Constituição Federal, art. 7°, inciso XVII, como se transcreve abaixo:
Art. 7° São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal.
O texto do artigo acima faz referência a “trabalhadores”, levando a imaginar equivocadamente, que faria jus aos mencionados direitos apenas os trabalhadores da iniciativa privada. Todavia o artigo 39, §3° da Constituição, estende expressamente a todos os ocupantes de cargos públicos, como se transcreve:
Art. 39…
…
§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.
Trata-se de direito constitucional, norma de eficácia plena e autônoma, não dependente de qualquer regulamentação. Igualmente, a Carta Magna reconhece tal direito a todos os trabalhadores, sem qualquer exceção, levando em conta que o Prefeito Municipal não é um trabalhador no seu conceito comumente usado, mas detentor de direitos pertinentes, analisando-se a concessão do ponto de vista da simetria e equidade.
Portanto, fica claro se tratar de um direito irrenunciável, assim visto pelo ramo da Justiça do Trabalho que, apesar de não incidir no caso em questão, serve como referência analógica.
O direito a férias foi uma conquista social consagrada formalmente pela Carta da República, em razão das conseqüências do trabalho ininterrupto.
O agente político é, em síntese, um prestador de serviços à comunidade, com vínculo institucional com o Poder Público. Desenvolve suas atividades em tempo integral, muitas vezes ultrapassando a carga regular de trabalho, nesta condição as 24 horas do dia, podendo ser acionado a qualquer momento por seus munícipes.
Dessa forma, resta perfeitamente caracterizada a existência de previsão legal para a concessão de indenização, de qualquer tipo, para férias não gozadas pelos Agentes Políticos.
Quanto ao último ano de mandato, cabe ressaltar que a matéria já havia sido decidida pela Corte de Contas do Estado, no sentido de que “não mais exercitável o direito como gozo, implica em dever da administração de efetuar o devido pagamento, sob título indenizatório…” (Recurso de Embargos do Executivo Municipal de Santo Antônio do Palma, Processo 10285-0200/99-0).
Neste sentido, também foi a decisão do Processo 2142-0200/98-6, referente à Prestação de Contas de 1997 do Executivo Municipal de Horizontina:
AGENTE POLÍTICO. FÉRIAS NÃO GOZADAS. PERÍODO DE FIM DE MANDATO. INDENIZAÇÃO. CABIMENTO.
Não mais exercitável o direito de gozo, cabe a indenização das férias não gozadas pelo agente político, relativamente ao último ano de mandato.
Se não há como usufruir o direito ao gozo das férias seja por impossibilidade de se afastar do cargo devido as demandas do Município ou pelo término do mandato, ou ainda por outras circunstâncias inclusive de natureza política, cabe sua indenização sob pena de enriquecimento ilícito do erário. Inobstante ser uma previsão legal para que o trabalhador tenha um período de descanso, é inegável que possui natureza remuneratória quando não exercido tal direito.
Ainda e para que não pairem dúvidas, cumpre dizer que o TCE igualmente já firmou entendimento de que mesmo não havendo previsão na Lei Municipal concedendo o direito de 30 dias de férias, acrescido do respectivo adicional de 1/3, tal possibilidade é total, nos termos do Parecer nº 20/2004, cuja ementa espanca qualquer dúvida:
(…)
Férias de prefeito. Possibilidade, independentemente de legislação local, com fundamento na tutela à saúde, como consectário da proteção à dignidade da pessoa humana.
Manutenção da orientação preconizada no Parecer nº 61/94 e no Parecer Coletivo nº 1/96, deste Tribunal.
(…)
Da Decisão do STF
Contudo, a discussão acerca da matéria somente recebeu contornos diferentes quando o Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Recurso Extraordinário 721.001, da lavra do Ministro Gilmar Mendes, colocou uma pá de cal sobre a celeuma. No Agravo do RE, com repercussão geral, acórdão do Tribunal de Justiça/RJ manteve sentença de primeiro grau para reconhecer à conversão em pecúnia de férias não gozadas, a bem do interesse da Administração, a título indenizatório e em observância ao princípio da vedação ao enriquecimento sem causa.
A decisão do STF agregou outros julgados da Corte Suprema em sentido idêntico, assim referido pelo Relator:
3. Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade do servidor de transformar em pecúnia indenizatória a licença especial e férias não gozadas. Concessão de vantagens. Matéria estranha à Carta Estadual. Conversão que implica aumento de despesa. Inconstitucionalidade. Ação direta de inconstitucionalidade procedente. No caso dos autos, diferentemente, o acórdão recorrido assegurou ao servidor público a conversão de férias não gozadas em pecúnia, em razão da vedação ao locupletamento ilícito por parte da Administração, uma vez que as férias devidas não foram gozadas no momento oportuno, quando o servidor ainda se encontrava em atividade.
Assim, com o advento da inatividade, há que se assegurar a conversão em pecúnia de férias ou de quaisquer outros direitos de natureza remuneratória, entre eles a licença-prêmio não gozadas, em face da vedação ao enriquecimento sem causa.
….
Nesse sentido, o ARE-AgR 662.624, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 13.11.2012; AI-AgR 768.313, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe 18.12.2009; RE 197.640, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 18.6.1999; e RE-AgR 324.880, Rel. Min. Ayres Britto, Primeira Turma, DJ 10.3.2006, este último com acórdão assim ementado:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. FÉRIAS. PERÍODOS NÃO GOZADOS EM ATIVIDADE. RECEBIMENTO EM PECÚNIA. ACRÉSCIMO DO TERÇO CONSTITUCIONAL. INCISO XVII DO ART. 7º DA MAGNA CARTA. ADMISSIBILIDADE.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao acolher o pedido do autor, apenas conferiu efetividade ao disposto no inciso XVII do art. 7º da Lei das Leis.
Com efeito, se o benefício não é usufruído, porque a Administração indeferiu requerimento tempestivo do servidor, ao argumento de absoluta necessidade do serviço, impõe-se a indenização correspondente, acrescida do terço constitucional.
De outra parte, o fato de o servidor não haver usufruído o direito, não lhe acarreta punição ainda maior; qual seja, a de deixar de receber a indenização devida, com o acréscimo constitucional. Procedimento esse que acarretaria, ainda, enriquecimento ilícito do Estado.
Ao final, a decisão do STF assim consolida tal entendimento:
Ante o exposto, manifesto-me pelo reconhecimento da repercussão geral da matéria debatida nos presentes autos para reafirmar a jurisprudência desta Corte, no sentido de que é devida a conversão de férias não gozadas bem como de outros direitos de natureza remuneratória em indenização pecuniária por aqueles que não mais podem delas usufruir, seja por conta do rompimento do vínculo com a Administração, seja pela inatividade, em virtude da vedação ao enriquecimento sem causa da Administração; consequentemente, conheço do agravo, desde já, para negar provimento ao recurso extraordinário (art. 544, § 4º, II, b, do CPC).
Resta claro, portanto, na última passagem da decisão do STF acima colacionada, que é devida a conversão de férias não gozadas em pecúnia por aqueles que não mais podem usufruir da mesma, especialmente por conta do rompimento do vínculo com a Administração.
É o caso do ocupante de mandato eletivo, no cargo de Prefeito Municipal, que não pôde exercer o gozo aos períodos de férias do seu mandato. Quando do rompimento com a Administração, deve ser indenizado das férias que não pode usufruir.
No mesmo sentido manifestou-se a Procuradora do MP junto ao TCE/RS Daniela Toniazzo, reconhecendo tal direito. Diz parte do parecer 1882/2014:
Certo é que não se trata de unificar sob mesmo regime jurídico agentes políticos e servidores públicos, mas de se reconhecer que a qualquer sujeito a que se impõe ônus mais gravoso e diferenciado do que o ordinário, em favor da sociedade, é devido indenização como forma de recompor a isonomia na distribuição dos encargos sociais.
Nesse sentido, inexistem razões de cunho normativo, constitucional ou legal, que neguem aos Prefeitos Municipais o direito à indenização aqui discutida, pois, em princípio, a escolha por não gozar do direito fundamental de que se trata se assentará em razões de interesse público, tidas como prioritárias, das quais toda a coletividade se beneficiará
A manifestação ministerial de contas resgata com propriedade a essência da decisão unilateral do gestor em não usufruir das férias. O ato efetivamente impõe ao próprio administrador situação mais gravosa que o ordinário, na medida em que seria mais conveniente e salutar o afastamento do cargo para um descanso de 30 dias, devidamente remunerados.
Contudo, em se mantendo à frente do comando administrativo, o gestor abre mão do lazer e das férias, assumindo situação mais gravosa como referido no parecer. Não haveria sentido algum em não gozar do direito às férias, não fossem por motivo relevante e de interesse da comunidade.
Como bem referido pela Douta Procuradora do MP de Contas, não há regramento que negue ao gestor a justa indenização, porém, inexistem também razões para exigir que haja motivação expressa, apurada em processo administrativo, pois grande parte de tais motivos se devem a fatores de natureza politica, passando pelas relações com o substituto imediato ou até mesmo pelo receio acerca da condução das finanças locais.
É o parecer.
Porto Alegre, 04 de agosto de 2014.
CDP – Consultoria em Direito Público
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