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Ficha Limpa pode ser aplicada a casos anteriores à lei, decide Supremo

06/10/2017 | Fonte: CONJUR | Acessos: 826

A extensão para oito anos do prazo de inelegibilidade para crimes de abuso de poder econômico ou político previstos na Lei Complementar 135/2010, a Lei da Ficha Limpa, também serve para condenações anteriores a 2010. Assim decidiu o Supremo Tribunal Federal, nesta quarta-feira (4/10), por maioria apertada, de 6 votos a 5.

Na interpretação majoritária, o Plenário assentou no julgamento de 2012, em que foi reconhecida a constitucionalidade da Lei Ficha Limpa, que as sanções eleitorais previstas na LC podem ser aplicadas de maneira retroativa, sem ofensa à coisa julgada.


Nesta quarta-feira, os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello seguiram a posição do relator, ministro Ricardo Lewandowski, no sentido de impedir que a LC valesse para sentenças anteriores à criação da lei, em 2010. A presidente, ministra Cármen Lúcia, no entanto, acompanhou a divergência inaugurada na semana passada pelo voto-vista do ministro Luiz Fux, e desempatou o julgamento.

No início da sessão, o advogado José Eduardo Alckmin pediu a palavra e defendeu que o processo em questão estava prejudicado e que o julgamento deveria ser suspenso. Isso porque, apesar de se tratar de repercussão geral, o objeto do recurso extraordinário específico já está superado, segundo o advogado. A maioria dos magistrados decidiu pela prejudicialidade do RE, mas entendeu que isso não impediria a discussão sobre a tese a ser fixada na repercussão geral.

A questão foi levada ao STF por um político que teve seu registro de candidatura cassado pela Lei das Inelegibilidades (Lei Complementar 64/1990). Só que a lei previa prazo de três anos para que candidato que teve o registro impugnado pudesse voltar a se candidatar. Esse prazo foi estendido pela Lei da Ficha Limpa.

O caso envolve o artigo 22, inciso XIV, da LC 64. O candidato que entrou com o recurso foi condenado antes da edição da Lei da Ficha Limpa e já cumpriu os três anos de inelegibilidade previstos na redação antiga do dispositivo, mas, eleito, teve seu registro negado. Ele alegava, portanto, que a sanção prevista na nova lei não pode retroagir para atingir seu caso, que inclusive já transitou em julgado.

Retroatividade criticada
O ministro Marco Aurélio seguiu a linha da defesa e foi enfático em criticar a posição dos colegas pela retroatividade da aplicação da Ficha Limpa. “Em 39 anos de judicatura, jamais me defrontei com situação tão constrangedora para o Supremo como essa”, afirmou.

Ele disse que é regra básica o fato de as leis aprovadas pelo Congresso terem efeito dali em diante, nunca para casos anteriores à criação da nova norma. “O que se tem nesse caso? Critério de plantão inaugurado pelo Supremo? Aprendi desde sempre que o exemplo vem de cima”, lamentou.

Celso de Mello também seguiu o relator. Ele ressaltou que a moralidade é premissa para o exercício de mandatos eletivos, mas argumentou que a Constituição deve ser observada e os princípios da coisa julgada e do ato jurídico perfeito, respeitados. A inelegibilidade, disse, traduz gravíssima limitação a direito fundamental. O perigo da interpretação a favor da retroatividade, sustentou, é que abre possibilidade para “desrespeito a inviolabilidade do passado”.

Não se pode retroagir, salientou, porque o ato jurídico da condenação já se exauriu em todas suas potencialidade. O decano fez um histórico do comportamento da humanidade em relação ao cumprimento das leis. Segundo ele, os filósofos gregos Platão, Sócrates e Cícero já citavam a importância de a aplicação da lei se dar de sua aprovação em diante, jamais o contrário: “A irretroatividade vale para todas as leis, sem exceção”.

Sobre o fato de a legislação questionada ter origem em projeto de lei de iniciativa popular, ele afirmou que até mesmo esse conjunto de pessoas responsáveis por apresentar a legislação tem de se atentar às regras da Constituição. “O projeto, não importa se ordinário ou complementar, pois todos representam pretensão de um direito novo, estão subordinados às formalidades constitucionais”, alertou.

O voto de minerva da presidente Cármen Lúcia, porém, foi no sentido contrário. Para ela, o Plenário da corte já enfrentou a questão quando da análise da ação contra a Ficha Limpa, em 2012. Naquela ocasião, diz, o STF já havia declarado a constitucionalidade da aplicação retroativa da LC. “Não há que se falar em afronta à coisa julgada, não significa interferência no cumprimento da decisão anterior. O Judiciário já fixou isso”, garantiu. Ela afirmou que vários processos foram julgados com essa interpretação e que agora não cabe mais mudar de entendimento sobre a matéria.

Na sessão desta quinta-feira (5/10), os ministros irão fixar a tese para repercussão geral, a ser proposta por Fux, responsável por abrir a divergência. Também será analisado um pedido feito no fim da sessão desta quarta-feira pelo relator, Lewandowski, para modular os efeitos da decisão. Os magistrados ficaram de discutir a proposta do relator logo na abertura da próxima sessão. Ele ressaltou a necessidade de modulação, sob risco de atuais ocupantes de mandatos eletivos serem cassado, alterando o quociente eleitoral de pleitos proporcionais e mudando a composição de legislativos Brasil afora.

Mesmo que isso ainda não tenha sido analisado, Fux se adiantou e afirmou que é contrário. "A modulação significa dizer que essa decisão não terá efeito nenhum", criticou. Segundo ele, mais de 50 processos só no Tribunal Superior Eleitoral aguardam a fixação dessa tese para terem uma definição, fora outras centenas de casos em outros tribunais.

Entendimento reforçado
Apesar de já ter apresentado o voto antes do pedido de vista de Fux, o ministro Gilmar Mendes reforçou seu entendimento na sessão desta quarta e criticou os colegas favoráveis à retroatividade da aplicação da Lei da Ficha Limpa.

“Onde fica o trânsito em julgado? A própria legislação prevê a prescrição. É uma corrida de obstáculo onde os obstáculos são móveis”, criticou. Segundo ele, essa decisão faz jus ao Direito nazifacista e em nada tem a ver com o sistema jurídico brasileiro. Tudo isso em nome da moralidade que, nesses casos, fica acima inclusive de cláusulas pétreas da Constituição, lamentou.

Dizer que a inelegibilidade é uma sanção, e não uma pena como argumento para aplicar a retroatividade, disse, é “relativizar direito fundamental”. O pior de tudo, para Gilmar, é que a aplicação da retroatividade não foi aprovada pelo Congresso Nacional, mas irá acontecer por determinação do Supremo. “Nós é que estamos dizendo isso via interpretação. Esse é o maior constrangimento. É possível regular direito fundamental e dar-lhe consequências para repercutir no passado?”, argumentou.

Restrição de direito
O advogado Tony Chalita, sócio do Braga Nascimento e Zilio Advogados, especialista em Direito Constitucional e Eleitoral, também critica a posição majoritária da corte. "O argumento de que a inelegibilidade não seria uma imposição de pena, mas apenas uma restrição da capacidade eleitoral passiva, a meu ver, é de extrema fragilidade considerando que o cidadão será surpreendido por uma restrição do exercício de um direito constitucionalmente garantido, por uma norma que sequer existia quando dos fatos delituosos cometidos", afirma.

A previsibilidade das leis é uma garantia do cidadão, argumenta. "O cidadão jamais poderá ser surpreendido com novas regras capaz de prejudicá-lo." A máxima de que a lei só poderá retroagir para beneficiar o réu também deve prevalecer neste caso, segundo ele.

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